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A credibilidade na independência do Banco Central tem que ser eterna

Jorge Jatobá (Artigo publicado no JC)
05 de Julho de 2024

05 - Jul

A decisão unânime do Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central (BACEN) de definir na reunião de junho, por nove a zero, a manutenção da taxa SELIC salvou, por enquanto, a credibilidade da instituição sobre a sua necessária e essencial independência. Em especial, poupou Gabriel Galípolo, caso fosse indicado por Lula e eventualmente aprovado pelo Senado para ocupar a cadeira de Presidente da instituição, de tentar provar ao mercado de forma recorrente que é um profissional que preza e cuida da autonomia da instituição. A história dos bancos centrais, inclusive no nosso país, demonstra que este ativo tem que ser preservado. Caso contrário, a missão do BACEN de preservar a estabilidade de preços na economia via Política Monetária seria ameaçada e, eventualmente, destruída Mas pergunta-se, por que precisamos de um Banco Central independente?

Desde os anos 90 surgiram as primeiras iniciativas para tornar o BACEN independente. Isso gerou resistências e controvérsias. O tema foi ideologizado e demonizado porque atenderia, segundo alguns atores políticos, apenas aos interesses do sistema financeiro. Essa reação atrasou por três décadas a instituição de um Banco Central autônomo no país.

O BACEN é o banco dos bancos, emite moeda, calibra a liquidez do sistema bancário ao definir a relação encaixe/depósito, define a taxa básica de juros (SELIC) da economia por meio do Conselho de Política Monetária (COPOM) e regula o funcionamento dos sistemas bancário e financeiro. Nos EUA e na União Europeia, desde a crise de 2008 até agora, os bancos centrais compram títulos da dívida pública e privada, aumentando a liquidez e financiando despesas de governos e famílias. Ou seja, tem assumido, mais recentemente, funções parafiscais.

Todavia, a grande missão do BACEN é garantir a estabilidade de preços. É o xerife da inflação e a sua única arma para evitar que ela saia de controle, é a taxa de juros. O BACEN é o grande operador do sistema de metas de inflação, adotado pelo Brasil desde 1999, uma das conquistas derivadas do sucesso do Plano Real que agora celebra trinta anos. Nesse regime, se define o centro da meta da inflação, antes anualmente e agora de forma contínua, e um intervalo de variação em torno da qual ela pode flutuar.

Os bancos centrais têm um enorme poder como executor da política monetária, umas das pernas do tripé da política macroeconômica, junto com as políticas fiscal e cambial. Este poder tem que ser usado para manter a estabilidade de preços. Inflação descontrolada é ruim para a economia e para a sociedade. Uma hiperinflação destrói o sistema de preços, cria desabastecimento, jogando milhões à pobreza e à revolta social, com consequências políticas imprevisíveis. Entre 1921 e 1923 a Alemanha foi assolada por uma hiperinflação devastadora (29.500 % ao mês), alimentada por gastos públicos sem controle financiados por emissão de moeda de um Banco Central subalterno. Este terrível evento foi uma das sementes do nazifascismo, mas foi fundamental para que economistas e governantes clamassem por um Banco Central independente.

A história nos ensina que um BACEN sem autonomia poderia sofrer fortes pressões do Presidente de plantão para financiar gastos públicos via emissão de moeda e para baixar a taxa de juros artificialmente em desalinho com que a macroeconomia ditaria ser a taxa de juros de equilíbrio. Poderia também ser instado a intervir de forma mais agressiva do que o faz, eventualmente, para evitar desvalorizações sucessivas do real perante o dólar, desestabilizando a taxa de câmbio e comprometendo reservas em moedas estrangeiras. O banco central tem que ter credibilidade junto aos atores econômicos e ser capaz de ancorar, pela confiança que inspira no mercado, a inflação em torno do centro da meta e os juros e o câmbio em torno dos seus valores de equilíbrio.

Tivemos recentemente um mal exemplo. Sob o Governo Dilma, o Presidente do BACEN, Alexandre Trombini, perdeu credibilidade por ceder às pressões do Ministério da Fazenda para baixar artificialmente os juros. Os resultados foram: recessão, inflação, desemprego e a criação de condições políticas favoráveis para o impeachement da Presidente

O Presidente do BACEN tem autonomia, mas também é regulado e se, cometer crimes de responsabilidade, poderá perder o cargo, ouvido o Senado. Espera-se que a independência do Banco Central viabilize taxas de juros mais baixas em comparação com os padrões históricos. Maior confiança diminui riscos que se expressam em juros mais baixos. A política monetária exercida pelo banco central, independente, mas em harmonia com a política fiscal poderá moderar, também, os ciclos econômicos e permitir maior estabilidade no mercado de trabalho.

Recentemente, o Presidente Lula e o PT resolveram demonizar e ideologizar tanto a independência do Banco Central quanto o nível da SELIC. É um tiro no pé: desestabiliza o câmbio e eleva os juros futuros criando condições adversas para se manter a estabilidade dos preços. Devemos separar a questão da autonomia do Banco Central das críticas ao atual nível da SELIC. Essas críticas podem e devem ser trazidas para um ambiente de discussão aberta que ajude a esclarecer a opinião pública sobre as questões que cercam um tema complexo. Uma coisa é o BACEN autônomo que, como tal, deverá se manter. A outra é, se dentro das regras vigentes, a taxa de juros foi mantida ainda em patamar muito elevado (10,5%).

Espera-se que o Banco Central, seu Presidente e Diretores, usem seus poderes para exercer uma política monetária soberana, mas em harmonia com a estabilidade macroeconômica, um dos fundamentos para que o país volte a crescer de forma sustentável. O BACEN poderá conduzir o país, no futuro, à uma trajetória de taxa de juros mais baixa do que aquela que prevaleceria não tivesse obtido sua independência. Esse é o bônus que decorre da confiança depositada pelos agentes econômicos em um banco central capaz de resistir às pressões da conjuntura política. E a confiança na independência da instituição não pode ser instável. Tem que ser eterna.

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